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Voar é algo que fascina o ser humano e quando conseguimos realizar tal experiência é quase impossível conseguir parar. Depois de ter saltado de pára-quedas, voado no clássico NAT-6, participado de um rally e ter navegado no Paratii, veleiro de Amyr Klink, hoje a aventura será novamente nos céus. Troquei as velas do Paratii, pelo vôo a vela, e irei experimentar a forma mais elegante de voar.
Era um sábado de muito frio, quase chovendo. O lugar marcado? Aeroclube de Bauru, a 300 Km de São Paulo. Chegando lá, encontrei com o amigo Laerte Gouvêa, editor de esportes aéreos do 360 Graus, acompanhado do piloto Henrique Navarro, um dos primeiros no ranking brasileiro de vôo a vela. Esse seria o vôo mais silencioso e calmo de toda minha vida. Calmo?!?! Só porque é silencioso, mas o vôo também tem seu lado de adrenalina, como você vai ler mais à frente.
Ao entrarmos no hangar a visão era inacreditável. Muitos planadores, num emaranhado de imensas asas. Aeronaves de todos os tamanhos, idades e modelos. Alguns de madeira, outros de fibra de vidro, na maioria vindos da Alemanha. Alguns da década de 40, em perfeito estado de conservação. Todos guardados com uma capa protetora de pano que cobre a fuselagem e as asas.
Diante de tal confusão, achei que seria complicado tirar o planador que iríamos voar, um Puchacz SZD-50-3 polonês, construído em fibra de vidro com capacidade de dois lugares, que é utilizado para instrução básica e avançada. Mas até que foi fácil, pois utilizamos um carrinho que levanta os 370 kg da aeronave com facilidade.
Com o planador fora do hangar, enquanto o Luiz Coppini prepara o avião Piper PA-18-150, que vai nos rebocar até 1.000 metros de altura da pista, começo a tentar entender todos os instrumentos e controles que havia na aeronave.
Da esquerda para direita, temos primeiro o indicador de carga G (indica a força máxima que estamos sentindo), abaixo o velocímetro (indicador de velocidade do ar), em seguida o climb (indica se estamos subindo ou descendo), depois o rádio VHF, a seguir o altímetro (indica a altitude ou a altura de vôo) e depois a bússola.
O desconector amarelo é o que libera o cabo entre o planador e o avião. A alavanca azul é o freio aerodinâmico. Por fim, o manche e pedais que de acordo com o comando direcionam as manobras do planador.
Comecei a me equipar, colocando o pára-quedas de emergência, e seguindo as recomendações de como deveria proceder em caso de alguma pane irrecuperável. (uma colisão em vôo com quebra da asa, por exemplo). Não que isso seja comum, pois o vôo a vela é uma das formas mais seguras de voar, mas a prevenção é a melhor forma de segurança.
Na hora de entrar no avião, uma surpresa: meu lugar seria na frente! Qual seria a minha reação vendo tudo lá do alto em primeira mão? Será que era isso mesmo? Até parecia que eu seria o piloto e o piloto seria o passageiro. Henrique me explicou que faríamos como se fosse uma aula de instrução para alunos. Oba! Achei interessante, estaria como uma aluna aprendendo a voar (nada melhor para me aprimorar no vôo-livre) e realmente foi uma aula mesmo.
Antes de entrar no planador, o piloto me pede para limpar a sola dos sapatos!!! Qual seria a importância disso? Durante os vôos de planador os pilotos podem ter que pousar em pistas de terra ou mesmo em um campo arado de uma fazenda. Imagine como ficaria por dentro de um avião se todos entrassem sem limpar os pés? Pior ainda seria uma cabine cheia de terra durante alguma manobra descontrolada. Já imaginou toda aquela sujeira virar contra seu rosto?
Daí para frente começaram as brincadeiras. Escutava todas as sátiras dos pilotos: “A asa está um pouco trincada, mas não deve de ser nada…O canopi está com a trava enferrujada…o pára-quedas está rasgado….mas eu não iria usar mesmo…. e por aí foi… (tudo isso para relaxar um pouco).
As instruções me fizeram lembrar algumas cenas do vôo de T-6 do Circo Aéreo. Qual seria o procedimento para sair do planador em uma emergência? Como acionar o pára-quedas? Teríamos que levantar rapidamente o canopi do avião (teto de acrílico) e saltar, tudo isso em segundos. Fácil? Lógico, principalmente para quem nunca saltou sozinha! 😉
O momento gerava inúmeras dúvidas… Como seria o reboque? Balançaria? O planador pegaria muita turbulência por estar atrás do avião que o puxava? Quando soltasse o cabo de reboque, aconteceria algum impacto? Em alguns minutos teria todas as respostas, mas sinceramente não estava muito preocupada. Queria mesmo é voar e aproveitar cada momento desse vôo.
Após o briefing, saí novamente do cockpit, pois teríamos que levar o planador até a cabeceira da pista.
Colocar um planador para voar, é um trabalho de equipe. Inicialmente o avião reboque se posiciona na cabeceira da pista, um pouco a frente do planador. Depois esticam o cabo, que vai ligar o reboque ao planador.
O reboque tem um espelho retrovisor, para monitorar o planador, mas antes da decolagem, duas pessoas vão correndo ao lado do planador, para que este não bata com as asas no chão, pois o trem de pouso só tem uma roda central.
Existe até um código padrão: o piloto do planador avisa que está tudo ok para a decolagem. Uma pessoa que fica ao lado do reboque avisa, então, para o piloto do reboque que pode decolar, e este inicia dando todo gás!
Começa a decolagem e em alguns metros de pista o planador já está no ar antes mesmo do avião. Porque? É que o rendimento do planador é muito superior ao de um avião comum, e com isso ele consegue decolar antes.
Henrique me avisa que se o cabo estourasse naquele momento, não teria problema. Dependendo da altura ele pousaria em frente ou faria uma curva e voltaríamos para a pista novamente em segurança.
Conforme o avião subia, o instrutor ia me explicando a reação de cada instrumento. É bem legal poder entender o comportamento do avião, monitorando os instrumentos de vôo, pois o vôo a vela é uma mistura de sensibilidade com técnica.
Após alguns minutos atingimos 1000 metros de altura em relação a pista. Chegávamos na altura desejada. Henrique avisou pelo rádio para o piloto do avião que iríamos soltar o cabo.
Eu escutava apenas um suave barulho de motor, vindo do avião que estava nos puxando. Ao puxar o desconector amarelo o cabo se soltou! Nenhuma reação no planador, a não ser o corte do barulho do avião… alívio… Um silêncio que jamais senti igual em qualquer vôo.
O planador tem uma razão muito grande de planeio. No Puchacz é de 30×1. Ou seja, a cada 30 metros na horizontal, ele desce apenas um metro. Com isso, poderíamos fazer um vôo planado de 30 km mesmo se não pegássemos nenhuma térmica.
Num dia normal, se tivéssemos sol buscaríamos as térmicas (massas ascendentes de ar) para “enroscar” e subir cada vez mais. Poderíamos voar durante horas, e percorrer centenas de quilômetros. Como o dia estava quase totalmente fechado por nuvens, permanecemos no “cone de segurança”.
O cone de segurança é uma área imaginária ao redor da pista do aeroclube. A teoria é a seguinte: quanto maior é nossa altura, maior é a distancia que podemos nos afastar da pista. (maior altura = maior alcance em vôo planado).
O avião que nos rebocava volta e fica ao nosso lado. Agora tinha a missão de fotografar a aventura. Esse vôo é considerado como, vôo “paquera”, aonde o avião vai seguindo o planador e registrando as imagens. Ficamos planando e sendo fotografados. Foto de um lado, foto do outro, uma paquera mesmo.
As manobras acrobáticas
Assim que piloto informou que a sessão de fotos havia terminado, preparo o coração e iniciamos as manobras, pois eu queria um pouco mais de adrenalina.
Embicamos a 45 graus com o chão, até pegar velocidade, iniciando assim o Hammerhead. No “hammer” (para os íntimos) após atingirmos a velocidade de início da manobra – 200 km/h -, Henrique puxou o manche para trás até que tivéssemos definido uma subida na vertical (a brincadeira chega a 4 Gs) A asa ficou a 90 graus com a linha do horizonte e mantivemos assim até que o avião parasse de subir, quase estolando (perdendo sustentação e velocidade).
Nesse momento, com o avião na vertical, o piloto aplicou o pedal o que fez com que o planador girasse no topo do hammer (G zero) e descendo na vertical de novo, até recuperarmos o vôo horizontal, não sem antes sentir uma força de 3G e antes que a velocidade disparasse demais (planadores são muito lisos, pegam velocidade muito rápido quando apontados pra terra).
Ou seja, tudo estava em paz, até que em segundos ví o chão chegando, depois uma força G danada e uma subida na vertical, depois só ví o céu (com nuvens), G zero, e em seguida o chão novamente até voltar o vôo normal…ufa….gostei…
Em seguida iniciamos o “vôo do astronauta”. Não é manobra considerada acrobática, é simplesmente uma parabólica descendente, onde mantém-se o G zero (o que fizemos durou 8 segundos). Perguntei ao piloto o que tínhamos feito e ele antes de responder pediu que eu segurasse o rádio VHF pois ele faria a manobra novamente para que eu pudesse perceber o que era.
Quando ele iniciou o vôo astronauta, o rádio soltou da minha mão e flutuou na frente de meus olhos. Ficou flutuando por segundos, mas foi o suficiente para imaginar que eu estava no espaço. Eu estava bem presa pelo cinto de segurança, mas a sensação é sensacional!!! (no filme Apolo 13, eles faziam isso a bordo de um avião de carreira (Boeing) durava alguns minutos, o bastante pra simular que os atores estavam no espaço pra as cenas a bordo da nave).
Passada a euforia de imaginar o espaço, entramos para mais uma manobra: o “parafuso”. Desta vez só senti carga G na recuperação (pouco, em torno de 2.5 Gs). Na manobra ficamos rodando com uma asa voando (a de fora da rotação) e a outra estolada, então a velocidade é pouca.
Ficávamos rodando como se o planador estivesse perdendo tudo, o nariz do planador apontava para o telhado das residências da cidade rodando, foi tenebroso olhar o telhado das casas aparecendo cada vez mais perto, mas estávamos em total segurança.
O parafuso é uma manobra básica, que eles tem que aprender para saber como recuperar o avião, caso este entre em parafuso sem querer. É que ao rodar as térmicas, fazendo curvas fechadas para não perder uma boa razão de subida, pode acontecer de uma asa estolar (perder sustentação) devido a estar com pouca velocidade.
Nestes casos, o planador pode entrar em parafuso, e aí temos que saber como sair com segurança.
O vôo do astronauta serve para se acostumar a diferentes sensações com variação de carga G. O hammer é uma manobra mais radical, usado para aprimoramento da proficiência do piloto.
Com essas manobras todas, logicamente perdemos altura e infelizmente teríamos que entrar para pouso.
De acordo com o regulamento da aeronáutica, o planador tem preferência para pousar. Se algum outro avião estiver vindo para pouso, este arremete (sobe novamente) e aguarda o pouso do planador.
Como em todos os vôos de qualquer espécie de asa, motorizada ou não, depois da satisfação de voar, o pouso é como se fosse a sobremesa.
Imaginava como seria o pouso com aquelas asas imensas, que teriam que estar perfeitamente niveladas em relação ao solo. Apesar do forte vento de través (transversal à pista), mesmo não tendo motor para compensar, viemos caranguejando (com o nariz apontando para o vento, mas seguindo o alinhamento da pista) até bem próximo ao solo.
Faltando alguns metros para o toque, Henrique alinhou e pousou com precisão, percorrendo apenas algumas dezenas de metros da pista. Ao pousar, abriu o “freio aerodinâmico” uma espécie de antepara que sobe no meio das asas, e que oferece um grande arrasto, diminuindo nossa velocidade rapidamente.
Uma situação engraçada é que ao pousarmos, precisamos sair rapidamente do planador, para leva-lo para fora da pista. (lógico, né? não tem motor para taxiar).
Outro detalhe importante é sempre sair do planador com o pára-quedas ainda conectado ao corpo. Quem voa precisa adquirir esta mania, pois se sair da aeronave desconectando automaticamente o pára-quedas de emergência, quando numa necessidade em pane de vôo corre o risco de sair do avião sem o pára-quedas e aí não seria muito “agradável”.
Planador fora da pista, adrenalina baixando… fiquei fascinada.
Já estou esperando um tempo legal, para poder sentir o vôo em térmicas e poder comparar com o vôo de parapente, nas mesmas condições. Em breve também quero estar relatando a minha aventura de voar sozinha, pois decidi fazer um curso e aprender a voar.
Gostaria de agradecer a todos aqueles que me receberam no aeroclube: dirigentes, pilotos, amigos, que com muita simpatia, carinho e presteza conseguiram fazer com que eu gostasse mais ainda dessa arte que é voar. Enfim, fui muito bem recebida por vocês e espero voltar em breve e com certeza como aluna. Muito obrigada.
Henrique Navarro – o piloto do planador que teve a maior paciência em ficar me explicando todas as manobras.
Luiz Ricardo Coppini – o piloto do reboque, que teve a paciência em nos levar para cima, e depois ainda ficou a disposição de nosso fotógrafo.
Laert Gouvêa – nosso editor de esportes aéreos.
André Andreoli – piloto de planadores e rebocador
Como sempre, também agradeço a São Pedro, que esperou nosso pouso para só depois derrubar a chuva fina.
Não vá embora…. Conheça melhor A equipe e o Aeroclube de Bauru
Henrique Navarro – piloto do planador, voa a seis anos, sendo instrutor e checador do DAC, piloto e rebocador de planador (PP/PC) tem mais 1300 horas de vôo ( a maioria em planadores) e está entre os melhores no ranking da última temporada de Vôo a vela 99 na classe olímpica, garantindo assim o 1.º lugar de pilotos de competição olímpica e quarto lugar no Campeonato Brasileiro. Devido a esses resultados, é o atual detentor do planador PW-5 da ABVV – Associação Brasileira de Vôo a Vela (planador de competição, que é cedido para os pilotos que se destacam no ranking).
Luiz Ricardo Coppini – Começou a pilotar desde os 15 anos. É piloto rebocador, instrutor e checador de vôo a vela. Também é piloto comercial e voa por instrumentos, além de ser lançador de pára-quedistas.
Laert Gouvêa – Fotógrafo – Editor da revista Air Sports Vip, e de esportes aéreos do 360 Graus, também é fotógrafo da Esquadrilha da Fumaça e piloto do NAT-6 do Circo Aéreo.
Lú Fernandes – Repórter 360°
André Andreoli – piloto de planadores e rebocador
Quer aprender também? Aí vai a minha dica.
Aeroclube de Bauru – Para iniciar no vôo à vela o aluno vai precisar:
Inscrição e exame médico:
O primeiro passo é procurar a secretaria do Aeroclube e inscrever-se no curso de piloto de avião ou piloto de planador. Feita a inscrição, o aluno é encaminhado para a inspeção de saúde (atestado médico para voar planador, realizado por médicos credenciados ou “certificado de capacidade física” para voar avião, expedido pelo Hospital da Aeronáutica – HASP -, em São Paulo). Os exames realizados pelo HASP compreendem um check-up completo, teste psicotécnico e avaliação psicológica. Tem validade de dois anos.
Curso teórico:
O próximo passo é o curso teórico. Neste curso são estudadas matérias específicas da aviação, como Regulamentos de Tráfego Aéreo, Aerodinâmica, Conhecimentos Técnicos, Meteorologia e Navegação. Estas matérias exigem noções básicas de física, matemática e química e dará ao aluno conhecimentos das regras de vôo, funcionamento de um avião e seus sistemas, como ele voa, fenômenos meteorológicos que afetam a atividade, boletins meteorológicos.
O curso teórico é dado em dois períodos(*), onde o aluno escolhe aquele que mais lhe convém:
Curso prático:
A duração do curso prático depende da disponibilidade de tempo do aluno, não tendo um tempo definido. O vôo solo vem depois de cerca de quarenta reboques e o “cheque” depois de cerca de 10 horas de vôo.
Preços:
O Aeroclube cobra apenas o valor do reboque, não cobrando hora de vôo nos planadores. O reboque padrão até 500m custa R$ 50,00.
() Preço sujeito à alteração sem aviso prévio.
(*) Preços para sócios e alunos; para vôos panorâmicos contatar a secretaria do clube.
O curso completo de planador custa em média R$ 2,5 mil (incluindo teoria e prática). Depois disso, você não precisa comprar seu próprio planador, pois poderá voar os equipamentos do clube, pagando apenas o reboque.
O ACB – Aeroclube de Bauru é um dos mais tradicionais centros de vôo a vela no Brasil, sendo o clube que ocupa a primeira colocação no Ranking de Clubes da ABVV – Associação Brasileira de Vôo a Vela.
O aeroclube possui 14 aeronaves para a prática do vôo a vela. Entre elas estão: os clássicos planadores Spallinger e Laister, dois modernos treinadores poloneses Puchacz, os nacionais de madeira “Quero-Quero” e “Urupema”, dois planadores da World Class PW-5 e os Classe Livre: Libelle, Jantar, Discus e ASW-20.
Para colocar essa frota lá em cima, conta com duas aeronaves rebocadoras, um AeroBoero 180 e um PA-18. As instruções de vôo acontecem todos os dias da semana utilizando-se o planador de instrução Puchacz.
Links:
www.aeroclubebauru.com.br