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Off-Road - Foto: Mar - Pixabay

Marrocos, difícil ou espetacular?

Minha primeira viagem ao pequeno país no norte da África foi em 1974. Cheguei lá com a namorada americana à bordo de um Land Rover comprado na Inglaterra. Leia mais aqui.

Texto: Tito Rosemberg


Publicado originalmente em 8/7/2003

Todo mundo já conheceu o amor à primeira vista, mas este país do norte africano confirma que o amor pode também ser descoberto “à segunda vista”.

Sempre me sinto incômodo quando me perguntam qual o lugar que mais gostei de visitar. A razão do meu desconforto nestas ocasiões é simples: já errei tantas vezes ao definir um lugar, que prefiro ser cauteloso ao dar uma resposta assim pão-pão, queijo-queijo.

Com o passar dos tempos foram tantas as minhas mudanças de opinião, que, como o grande e saudoso Raul Seixas, resolvi que preferia ser uma “metamorfose ambulante” a ter uma “eterna opinião formada sobre tudo” e no Marrocos aprendi uma bela lição.

Minha primeira viagem ao pequeno país no norte da África foi em 1974. Cheguei lá com a namorada americana à bordo de um Land Rover comprado na Inglaterra. Para começar, estava vindo da Europa, um continente organizado onde a corrupção era uma aberração e o respeito aos direitos humanos e civis do cidadão e do viajante estrangeiro era a norma.

Depois de meses vivendo na sociedade européia, mais resolvida em seus problemas de organização social e qualidade de vida, eu não estava preparado para o choque com a cultura árabe, milenar mas ainda às voltas com sérios problemas de exclusão social e suas características peculiares.

Logo na fronteira comecei a ficar nervoso. Os carrancudos militares da Imigração e da Alfândega pareciam não me ver ali no balcão de entrega de documentos, enquanto dezenas de “despachantes” me infernizavam oferecendo seus serviços, teoricamente desnecessários.

Em meio a uma balbúrdia infernal, diante de escritórios sujos e bagunçados, e a falta de respeito dos funcionários encarregados de me fazer entrar no país, já comecei a achar que estava de volta aos tristes trópicos onde nasci e cresci acostumado a um “agradinho” para conseguir o que quer que fosse de uma agência governamental.

Depois de sofrer algumas horas de humilhação metódica pelos meus anfitriões oficiais marroquinos e sobreviver ao assédio dos diversos grupos de “despachantes”, mendigos e camelôs, consegui seguir viagem rumo a Tanger.

Por estar viajando em meu próprio veículo e portanto exposto ao imprevisto e ao contato direto com o “povão”, me deparei com uma realidade muito diferente daquela dos turistas em excursões organizadas. Ao invés de ficar nos elegantes hotéis isolados por seguranças que evitam qualquer contato entre estrangeiros assustados e nativos sedentos de clientela para seus produtos artesanais, nós dormíamos em pequenos hotéis, onde só nativos se hospedavam.

Distantes dos grupos organizados de turistas, nós nos perdíamos sem guias nativos pelas ruelas sem nome dos bairros populares e uma das características mais marcantes da cultura marroquina é o prazer dos vendedores de tudo em seduzir a todo custo o cliente em potencial. Para tal fim, dedicam-se com afinco a enlouquecer os estrangeiros que passam distraído pelas ruas. Como um cardume de piranhas famintas ofereciam quartos de hotel, artesanato, haxixe, passeios, tapetes e todos os tipos de trocas, e com tal ferocidade que às vezes nos seguiam por diversos quarteirões apesar de agradecermos e pedirmos para ficar em paz.

Cansado das cidades partimos para o campo e nossa experiência não foi diferente: onde quer que acampássemos, por mais longe que fosse de algum agrupamento humano, logo aparecia alguém de trás de uma pedra ou duna para nos importunar querendo vender ou pedir alguma coisa. Após três meses rodando voltamos à Europa decididos a não mais retornar ao lugar onde não conseguimos ter paz em lugar nenhum.

Mas… para provar o quão errados podemos estar em julgamentos apressados, o destino quis que diversas vezes eu voltasse ao Marrocos, e em cada uma destas visitas, que hoje devem somar quase um ano, pude gradualmente desarmar-me dos preconceitos que naquela época viajavam comigo, e aprender a entender a cultura local, saber como afastar vendedores insistentes, e fazer amigos.

Nas viagens seguintes, sempre com meu próprio veículo, aprendi a conviver com os tradicionais povos berberes em suas remotas aldeias nas montanhas Atlas, conheci melhor as dunas de Merzouga, as espetaculares gargantas do Rio Dades e do Todra, a beleza de Tafraoute, as praias sem fim e suas ondas capazes de seduzir surfistas que qualquer continente, e pude enfim conviver em paz com um povo hospitaleiro e gentil, apesar das diferenças culturais.

Hoje o Marrocos é para mim um dos destinos que estão sempre nos planos para o futuro devido à alegria de seu povo e sua natureza belíssima , tanto que um dos meus sonhos favoritos é poder passar alguns meses morando em Marrakech e pesquisando o incrível Vale do Telouet, as encostas nevadas da montanha Jabal Toubkal de 4.167 metros de altitude, e surfando nas ondas perfeitas de Anchor Point perto de Agadir.

Ou seja, nunca é tarde demais para se rever conceitos mal fundamentados!

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