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Texto: Peter Goldschmidt
Depois de 6 meses trabalhando clandestinamente em Londres, finalmente o dia da viagem tão esperada chegou. Eu e minha bela Sandra teríamos um mês a nossa frente, um mês para andarmos por lugares dos quais tínhamos tanto ouvido falar. Nenhum lugar especial para ir, fora os mais famosos monumentos e cidades que todo turista deve conhecer. Tínhamos dentro de nossas mochilas, o mínimo necessário, pouco mais de mil dólares que juntamos com muito esforço e um passe de trem com validade para 30 dias.
Enfim 30 dias de liberdade total, que mais poderíamos desejar. Na verdade, nossa viagem já havia começado há 6 meses, quando deixamos o Brasil, nossas profissões, nossa casa e nossos parentes para tentar a sorte na Inglaterra. Foram 6 meses de uma experiência única, com sentimentos únicos, jamais experimentados até então. Apesar das dificuldades, acho que todo brasileiro, especialmente os jovens deveriam passar uma temporada fora do país. São nestas ocasiões que descobrimos nosso amor pela pátria, pela família e que somos ricos, independente da nossa condição financeira.
Seja qual for nossa classe social, nosso emprego, na nossa terra somos alguém, somos brasileiros, somos pertencentes à alguma coisa. Na Inglaterra, na clandestinidade, não. Aqui não somos nada, não somos ninguém, pegamos o trabalho que o inglês não quer, moramos onde o inglês não mora, além de sermos do país da selva, do carnaval, e é claro de Pelé, as únicas coisas que eles sabem do Brasil. A sensação de inferioridade, de solidão só pode ser descrita por quem ficou afastado da pátria amada, seja por vontade ou contra ela.
Bem, enquanto atravessávamos o Canal da Mancha em meio a uma tempestade sentíamos um sensação de liberdade e esperança que há muito esperávamos sentir. Afinal, cada dia de até 18 horas de trabalho tiveram este objetivo, o de juntar dinheiro e viajar livre por um mês. E aí estávamos nós, rumo a sonhada Europa, mais especificamente, rumo a Holanda.
Nossa primeira parada foi Den-Hagen, uma pequena cidade onde está situada Madurodan, outra pequena cidade. Acontece que Madurodan é uma miniaturização da Europa. Em um espaço mais ou menos do tamanho de um campo de futebol, caminhamos por ruas e avenidas ladeadas por catedrais, torres, trens e barcos em movimento. Tudo uma réplica fiel em tamanhos não maiores que 1 metro. O nível de detalhamento é impressionante. Realmente um lugar mágico.
Após este primeiro contato com o simpático e educado povo holandês embarcamos para a excêntrica Amsterdã. Nem preciso dizer como foi fantástica esta experiência. Um autêntico choque cultural. Amsterdã é uma cidade onde a prostituição e o sexo são motivos de passeios turísticos. A Zona Vermelha, bairro onde as prostitutas ficam em vitrines exibindo seus dotes, é um dos lugares mais visitados da cidade.
A facilidade para se oferecer e comprar drogas e a quantidade de viciados são motivos de orgulho e símbolo equivocado de liberdade. A beleza dos canais e construções centenárias muito bem conservadas são fachada para um cidade mergulhada na mais profunda depressão e problemas morais. Como ponto turístico, lindo, como lugar para viver… bom, tem gosto pra tudo.
Um momento que nunca saiu de nossas mentes e reflete bem esta cidade é o fato de que no nosso hostel, só havia um banheiro muito grande, que servia os dois sexos, as vezes a três. Tudo bem, se fosse um de cada vez. Agora, todo mundo junto tomando banho, fazendo isto ou aquilo em um típico banheiro de exército, pode ser muito legal ou muito constrangedor. Bem, foi legal, parecia que ninguém tinha mesmo o costume de tomar banho a não ser eu e a Sandra.
Enfim embarcamos de novo em nosso trem. Passamos por Bonn, a belíssima Colonia, a pequena Maiz de Gutemberg, e muitas outras até chegarmos em Heildelberg. Aqui vale a pena uma parada mais longa, não só pela cidade, mas também pelo castelo mais lindo que vimos até aqui. Uma imensa construção a beira de um rio, que sobreviveu a séculos de guerras e conquistas.
Do Sul da Alemanha, descemos, sempre de trem, beirando o rio Reno e seus castelos, cruzamos a Floresta Negra até chegarmos a Radolfzel onde encontramos um casal de amigos que conhecemos na Inglaterra, a Beate e o Helmut. Sempre simpáticos e atenciosos eles nos levaram para conhecer Constanza e se ofereceram para nos mostrar os Alpes suíços e a tão esperada neve, algo até então misterioso e mágico, principalmente para nós brasileiros. Um lugar fantástico!
A Suíça é linda, verde, silenciosa, parece uma foto de calendário, só faltam os números embaixo das montanhas. Um outro choque cultural, especialmente para nós latinos. Os suíços são silenciosos, fechados, cuidam só da própria vida, um pouquinho diferente de nós.
Ao chegarmos em Interlaken às 7 da noite, notamos que não havia mais ninguém na rua, não havia nenhum barulho, nenhum comércio aberto, nada. Parecia que todos haviam morrido ou que estávamos em um daqueles filmes de Sthefen King. Dormimos tranquilos em meio a escuridão e ao silêncio só para acordar no dia seguinte com o barulho dos sinos das vaquinhas e a vista privilegiada de montanhas cobertas de gelo eterno. E foi em direção delas que pegamos o próximo trem até a base do Monte Eiger, com quase 4.000 m de altitude.
As imagens gravadas deste primeiro encontro com a neve foram classificadas como “Top Secret” , impossíveis de serem vistas pelo público sem causar uma sessão de risos incontroláveis. Foi uma mistura de volta a infância com retardamento mental. Uma confusão de sentimento indescritível. Enfim a neve, enfim a mágica, enfim o sonho em forma de cristais de gelo. Lindoooooooooo!!!!!!!
No país da solidão visitamos outras montanhas, lagos, cidades e museus. Após alguns dias entramos novamente na Alemanha e começamos a ir em direção norte passando por pequenas cidades e Munique onde está o que sobrou de Dachau, um campo de extermínio Nazista. Roteiro turístico estranho, mais perfeitamente plausível na vida de um descendente de uma família judaica perseguida, como tantas outras, pelo nazismo.
Ali encontramos a verdadeira sensação da morte. Bastou colocarmos os pés neste campo abandonado para sentirmos os horrores que aconteceram por aqui. Embora transformado em museu, o campo de Dachau não é fácil de se achar pois muitos alemães ainda se envergonham dele.
Após mais alguns dias de viagem chegamos a Berlim. Um marco para nós, não só por ser o berço de minha avó paterna, mais também por ser uma cidade quase que totalmente destruída pela guerra e reconstruída. Visitamos o zoológico, um dos mais lindos do mundo, a ruína de sua catedral, os parques e muito mais. Conhecemos o alegre movimento das ruas e o impressionante muro de Berlim. E bota impressionante nisto. Estar de frente para aquele marco da estupidez humana, no limiar de dois mundos separados pelo egoísmo de seus governantes, foi um dos pontos mais altos da viagem.
Do lado ocidental milhares de turistas, luzes, cor e alegria. Alguns metros a frente, o medo, a prisão, o cinza, as cruzes e o atraso. Atravessar para o lado oriental, seguido pelo olhar penetrante dos guardas armados é como voltar ao tempo da guerra. É como entrar em um filme sem cor. Aqui tudo é cinza.
Pedimos autorização para irmos até Halberstad, uma cidade no interior da Alemanha Oriental onde nasceu meu pai. Após algumas horas de espera e o desembolso de alguns dólares finalmente fomos “liberados” para fazer a viagem e permanecer no país por 48 horas. Liberados quer dizer: sair na hora determinada, pegar o trem determinado, ficar no hotel determinado na cidade determinada.
Chegando em Halberstad conhecemos um povo simpático, atencioso, ávido em ajudar os outros e cheio de medo. Até hoje me pergunto se fomos tão bem recebidos por sermos simpáticos estrangeiros ou pela probabilidade de sermos espiões do governo disfarçados de “simpáticos estrangeiros”.
Independente disto, tive o imenso privilégio de entrar na casa onde meu pai cresceu, conhecer o lugar de onde minha família fugiu antes da guerra, de resgatar o passado. Um privilégio também pelo fato de meu pai e minha avó, únicos remanescentes dos Goldschmidt, terem morrido quando eu ainda tinha 6 anos. Foi como redescobrir minhas raízes.
Halberstad é uma cidade linda, calma, atenciosa e cinza. O medo parecia estar em todo lugar, desde a garçonete do restaurante que passou horas elogiando o sistema comunista, como na recepcionista do hotel que se recusou terminantemente a receber como presente um autêntico e cobiçado símbolo do capitalismo, uma revista da Disney.
Era um país despojado de qualquer coisa que poderia embelezar a vida. Os produtos no supermercado eram poucos e sem rótulos, as flores e os produtos eram vendidos embrulhadas em jornais, não havia carros coloridos ou de marcas variadas, tudo era cinza e igual. Tudo era………..
Vencidas as 48 horas, embarcamos no trem da meia noite para Hamburgo. Durante a viagem, no meio da noite, fomos abordados 8 vezes em nossa cabine, 7 delas para revistas e checagem de passaportes. Do lado de fora, o trem era revistado periodicamente por cães e soldados fortemente armados a procura de fugitivos. Fugitivos do que, eu não entendo, afinal, um país tão lindo e cinza, quem iria querer fugir dali?
Quase um mês havia se passado, meia Europa visitada e dinheiro no final. Hora de voltar para casa, hora de voltar a dura vida de escravo dos ingleses. Não, não estou reclamando. Como diz minha mãe: Quem corre de gosto não cansa. Afinal seriam apenas mais seis meses de banheiros para limpar, banquetes para servir, crianças para cuidar e pratos para lavar, para depois desfrutarmos de mais outras viagens, outros lugares, outras aventuras, outros sonhos a serem realizados. Mas, isto já é uma outra história.
Peter Paulo Goldschmidt, é empresário e proprietário de uma produtora de vídeo em Atibaia – SP. Sua experiência em vídeo produção começou em 1986, quando morou e estudou em Londres. De lá para cá tem acumulado vivência tanto na profissão que escolheu, como no seu hobby, “viajar”.
Atualmente, desenvolve o projeto “Giro pela América” que pode ser acompanhado aqui, no 360 Graus.
Participantes:
Peter e Sandra Goldschmidt
Duração: 30 dias
Hospedagem:Hostels
Gasto total:US$ 1,000.00
Transporte:Trem
Alimentação:O que o dinheiro deixasse comprar
Roteiro:Inglaterra, Holanda, Alemanha Ocidental, Suíça, Alemanha Oriental